segunda-feira, 25 de maio de 2009

Encontros - Terceiro Capítulo

1
Marches County, o distrito mais próximo de Roule County, era um tanto diferente de sua vizinha. Suas ruas, ao contrário das de Roule, tinha mais casas e menos edifícios, mais praças, mais árvores, mais espaços abertos. Era no geral, um distrito mais rural e menos sofisticado. Algumas pessoas tinham animais no quintal de casa e os criavam como se tivessem uma fazenda. Engordavam-nos, tratavam-nos e na época certa, serviam-se deles.
A força policial também era mais humilde, bem reduzida se comparada à Roule County, com cerca da metade dos homens. Pouquíssimas infrações aconteciam na cidade, onde todos se conheciam e sabiam das vidas alheias. O hotel local, presidido pela idosa, mas jovial Sra. Baker, nunca tinha muito movimento. Sua renda vinha das poucas pessoas que viajavam pelo estado e faziam uma parada na pequena e aconchegante cidade.
Sra. Baker era viúva há mais de 10 anos. Sua aparência decaiu depressa depois da perda do marido, apesar da senhora nunca ter se entregado à tristeza, ao ócio e à solidão. Ela se dispunha todas as manhãs a caminhar pelo quarteirão e se recusava a deixar todo o trabalho de faxina para a única empregada do Hotel, Srta. Molles. Juntas, as duas sobreviviam com o dinheiro do Hotel, onde ambas moravam.
Depois de anos a fio com a clientela escassa, o Hotel da Sra. Baker viu uma virada em sua monótona rotina. Alguns rapazes, vindos de Chicago em férias, hospedaram-se por uma semana inteira. Eles afirmaram ter gostado da cidade e do Hotel e de precisarem ficar por um tempo até que outro amigo chegasse. O grupo planejava acampar junto. Eram 4 no total, todos aparentemente na mesma faixa etária, exceto um que era obviamente mais velho.
No amanhecer do sétimo dia da estadia dos rapazes, Sra. Baker levantou-se para sua caminhada pela vizinhança. Seus 67 anos já lhe tiravam um pouco da prática agilidade que tinha quando era jovem, mas não a disposição. Ao sair de seu quarto, no primeiro andar, avistou um dos rapazes, sozinho, descendo as escadas. Se a memória não lhe falhava, seu nome era Keith Darell.
— Bom dia, Sr. Darell. – cumprimentou Sra. Baker.
Ele parou por uns instantes e virou-se por completo, com um meio sorriso no rosto. Keith tinha uma aparência confiante, cheia de si. As sobrancelhas eram quase sempre arqueadas sobre os olhos, como se estivesse sempre analisando tudo o que vê. Seu rosto tinha traços retos, incluindo o queixo, o nariz, a testa. Seu cabelo preto era cortado curto, como se fosse militar. Seus olhos verdes, inquietos nas órbitas, percorriam todo o corredor, como se ele observasse uma pequena bola flutuante que passeasse por todo o lugar. Era inquietante conversar com alguém que não mantinha o olhar fixo por mais de alguns segundos. Usava uma camisa de botões aberta por cima de uma camisa de flanela e calças jeans pretas, compridas, quase escondendo seus tênis.
— Acordada tão cedo, Sra. Baker. Pensei que fosse descansar hoje. Estamos dando muito trabalho.
Ele realmente falava com confiança. Ele não fazia perguntas, como: “Estamos dando muito trabalho?” Ele afirmava.
— Ah, de forma alguma, jovem, sempre gosto de passear ao nascer do sol. – disse, seguindo pelo corredor ao lado dele.
Ele ficou em silêncio caminhando ao lado da senhora até a entrada do hotel. Ainda estava um tanto escuro lá fora, mas o céu já começava a mudar do azul escuro para o lilás e em breve já estaria completamente azul. Ou não. Algumas nuvens começavam a se formar no horizonte, na direção de Roule County.
— Vem uma tempestade aí... Ouvi dizer que choveu bastante lá em cima durante essa semana... – disse a velha. Não parecia que ela estava dirigindo a palavra a ninguém. Mantinha os olhos afastados dele e nem sequer gesticulava em sua direção. – É sempre assim... Chove lá, chove aqui.
—Eu sei, vi a previsão do tempo. – disse Keith, mal esperando que ela terminasse. Pareceu que não estava nem um pouco interessado em ouvi-la. E então continuou. – Ninguém se dá ao trabalho de checar então eu faço pelo grupo. Não se acampa com chuva.
A senhora concordou com a cabeça, um tanto encabulada. Não se sentia bem conversando com ele. Na cidade pequena em que morava, todos a tratavam com respeito e mesmo que não quisessem, fingiam escutá-la. Esse jovem parecia não se importar.
— A senhora quer companhia? – perguntou Keith, abrindo a porta para que ela passasse.
— Oh, que gentileza, jovem! – suspirou, surpresa com o convite. – Não há necessidade, gosto de caminhar sozinha pra ordenar os pensamentos.
— A senhora tem bastante energia para alguém da sua idade. – disse ele, caminhando ao lado dela em direção à esquina da rua. Sra. Baker tomou como um elogio, mas para Keith não passou da constatação de um simples fato.
—Obrigado, Sr. Darell, espero que você também seja tão saudável quanto eu quando chegar à idade.
Keith riu baixo, num tom grave, fechando os olhos de cabeça baixa. Passou a mão pelos curtos cabelos sem desarrumá-los.
— Duvido que eu vá chegar à sua idade, Sra. Baker, mas agradeço os votos.
— Oh, não diga isso! Você vai viver muito mais que eu, tenho certeza! – ela sentiu-se triste pela afirmação do rapaz, que aparentava cerca de 20 anos. A senhora associou o cabelo em estilo militar ao exército ou afins e achou que ele talvez pertencesse às Forças Armadas. Era triste como morriam jovens os soldados do país. Ela torceu em silêncio para que Keith não fosse apenas mais um.
Os dois ficaram em silêncio até a esquina da rua, passando por diversas árvores plantadas à margem da calçada, dos mais variados tipos. Caminharam devagar, ritmadamente. A senhora percebeu que Keith estava diminuindo propositalmente seus passos para equiparar-se a ela. Esquisito, ela pensou. Seu comportamento quando fala é completamente diferente de seu comportamento quando age. Ele falava a ela como se falasse com um amigo qualquer, sem muito respeito pela idade. E em contraste, abria-lhe a porta e oferecia-lhe companhia.
O rapaz atravessou a rua depois de ouvir Sra. Baker se despedir, sem responder, e dirigiu-se a uma lanchonete grande do outro lado da esquina. Reconheceu uma Toyota no estacionamento como sendo de um amigo e entrou pela porta dupla de vidro.
Havia cinco garçonetes pelo local, atendendo várias mesas. Três delas, as mais jovens, iam de mesa em mesa anotando pedidos, enquanto as duas restantes, mais velhas, já na casa dos 40, trabalhavam no balcão. Notava-se também um movimento considerável. Todos os sábados havia uma promoção de café-da-manhã e todos os dispostos a chegar lá antes das 08:30 pagam quase metade do preço usual. A maioria dos clientes ali eram senhores aposentados que se davam ao trabalho de ir até o estabelecimento para aproveitar a oportunidade de flertar com as jovens atendentes e, às vezes, dar beliscões em suas bundas e chamá-las de “docinho”.
Assim que entrou, Keith reconheceu o dono do carro, Collin Sellers. Era possível vê-lo até do outro lado da loja, pelos seus metro e noventa de altura. Desviando das garçonetes que vinham na direção oposta com pressa de anotar os pedidos, Keith caminhou até a mesa do amigo com as mãos nos bolsos das calças. Alguns clientes deram bom-dia, já reconhecendo o rosto do jovem visitante da cidade. Keith saía muito para caminhar pelos arredores e não sabia, mas estava sendo falado; afinal, ele e seus amigos eram praticamente os primeiros a passar mais de duas noites no Hotel local. Quanto aos “bom-dia”, ele não respondeu. Antes de se sentar, Collin ergueu o olhar por cima da xícara de café que tomava. Com um movimento rápido do braço, atirou-lhe algo no peito.
Keith agarrou antes que caísse no chão e sentou-se. Era o celular de Collin.
— Muito engraçado, Keith. – disse o grandalhão. Collin tinha uma aparência amigável e cavalheiresca que contrastava com seu tamanho. Tinha os ombros largos e o peito estufado, além de uma excelente postura, que o deixavam um pouco imponente demais. Tinha os olhos finos e castanhos como duas gotas de chocolate. O cabelo sedoso, da mesma cor dos olhos, era preso cuidadosamente num rabo de cavalo, com algumas mexas soltas na frente do rosto, talvez propositalmente. Tinha o nariz largo e uma voz penetrante, mas não grave. A camisa cor de creme era comprida, quase escondendo suas mãos, e apertada pelo corpo.
Keith virou o celular para si e leu o que dizia na tela. Era uma manchete de jornal reduzida a algumas linhas seguida de um número para mensagens de texto e o nome da operadora. O conhecido Spam.
Keith riu. Tinha assinado as notícias diárias por mensagem no celular do amigo. Os dois sempre discutiam sobre assuntos relativos à informação. Collin não via nem lia jornais, sequer a previsão do tempo, e era completamente alheio às propagandas da mídia; já Keith era rigoroso quanto à mesma, acompanhando o noticiário todas as noites e pagando fielmente a assinatura de um jornal. Achou que o amigo deveria pelo menos saber de algumas coisas, mesmo que com o conteúdo e a qualidade reduzida, com era no celular.
O grandão pegou o aparelho de volta e guardou do bolso da calça, com um meio sorriso de desdém. Empurrou o prato para o meio da mesa, oferecendo suas torradas ao amigo. Ele devia ter pedido café para dois, pois havia mais de seis pelo prato.
— Não, obrigado. – dispensou a comida enquanto, por baixo da mesa, tocava a ponta de seu tênis na canela de Collin. – Deve estar doendo...
Collin encolheu a perna ao sentir o simples toque de Keith, pois a dor lhe subiu até a cintura com a velocidade de um raio. Por baixo da calça azul que usava, toda a região de sua canela estava enfaixada em ataduras. O grandalhão não gostou da brincadeira e olhou para o amigo com reprovação.
— É, ta sim. A umidade do ar aumentando... Dói bastante. – respondeu. Apoiou os cotovelos na mesa e se aproximou de Keith. Keith fez o mesmo.
Collin indicou sutilmente com a cabeça para que olhasse por cima de seu ombro. Atrás dele, no fundo da loja, duas atendentes conversavam em voz baixa, olhando esporadicamente para os dois, com sorrisos nos rostos. A mais baixa, de frente para os dois, era loira, com alguns fios pretos pelo cabelo. Tinha o rosto redondo e uma aparência empolgada. Era baixa e um pouco acima do peso. Tinha os olhos amendoados e bonitos, como duas piscinas de água verde. A outra que se encontrava de costas era um pouco mais alta e mais magra, tinha os cabelos pretos, tingidos de vermelho na ponta e sua pele era muito branca. Seu corpo era mais bem definido que o da amiga. As duas usavam o cabelo preso com palitos, no estilo de mulheres de negócios. Keith não classificaria nenhuma das duas como bonita.
— O que tem? – perguntou Keith, os olhos inquietos agora passeando por todas as pessoas da loja.
— Umas delas quer saber se eu tenho namorada. – afirmou Collin, comendo um pedaço duma torrada. Metade dela desapareceu com uma mordida.
— Você não tem. – O olhar vibrante de Keith parou sobre as moças e as analisou por um tempo. – Não entendi o que você quis dizer.
Collin revirou os olhos. Keith era uma das pessoas mais atentas que ele conhecia, mas era incapaz de compreender as nuances do comportamento social.
— Consegue descobrir qual delas? – perguntou o grandalhão. Não queria ter de explicar ao amigo, ele não prestaria atenção.
Keith deixou de olhá-las, apenas, e começou a prestar atenção. Apurou seus ouvidos, fechando os olhos e inclinando a cabeça na direção da moças. Ele podia ouvir suas vozes no meio de todos os outros sons, mas não conseguia discernir as palavras. Os carros passando pela rua, a sineta do balcão sendo soada constantemente, as outras atendentes gritando pedidos para a balconista, que gritava para o cozinheiro. Algumas palavras chegavam aos seus ouvidos, mas não faziam sentido assim solitárias.
Abriu os olhos, mudando de tática. Respirou fundo e endireitou-se no banco acolchoado, concentrando-se na visão. Aos poucos foi deslocando sua atenção dos sons para longe, deixando-os cada vez mais abafados. Ignorando-os aos poucos, depois de alguns segundos ele ainda os ouvia, mas não mais os escutava. Estava, como ele próprio dizia, desligado.
Ele podia ver os lábios de uma se movendo, conforme tagarelava rapidamente. Sem dificuldade, ele os leu:
— ... sei, não fui eu que o atendi.Porque não... Annah?
Perdera o fragmento. “Porque não, Annah?” Será que seu nome era Annah?
Keith estalou a língua, esforçando-se. A leitura labial era mais difícil em mulheres do que em homens... Quanto mais expressões se fazem por cima dos lábios, mais difícil se torna lê-los. Além de que muitas cobrem a boca com a mão ao rir ou ao dizer algo empolgante, uma fofoca, por exemplo. Outras simplesmente ajeitam demais o cabelo, passando o braço pela frente do rosto, ou simplesmente jogando-o de um lado para o outro.
A outra começou a responder, mas Keith não conseguiu pegar. Ela estava de costas, apenas uma pequena parte de sua bochecha era visível. Apressado, ele viu a vidraça por trás das duas e fixou o olhar lá. Pelo tênue e translúcido reflexo no vidro, ele viu o reflexo da moça de cabelos pretos. Nem sequer se deu ao trabalho de notar detalhes, focando seus lábios imediatamente.
— ... com ela... Melhor... pra lá. Ele deve ser compromissado. ... bonito como ele...
Agora mais do que nunca, era difícil fazer a leitura. O vidro era um péssimo objeto refletor, e além disso, pessoas e carros que passavam do outro lado confundiam demais a percepção.
— E aí? – perguntou Collin, mas suas palavras nem sequer chegaram à consciência de Keith. Ele estava muito concentrado.
Percorrendo o olhar rapidamente, notando que as duas estavam prestes a encerrar o assunto, captou os nomes em seus dois crachás. A baixinha se chamava Amália e a mais alta, Erika. Pouco depois de ler os nomes, as duas se afastaram e voltaram a atender os fregueses espalhados pela loja.
Lentamente, Collin viu o foco voltando aos olhos do amigo, conforme ele relaxava na cadeira e seus ombros se descontraíam. Ele voltou a lhe encarar, pegando uma torrada do prato e comendo a pequenos mordiscos. A moça baixinha passou por eles, indo em direção à cozinha, enquanto a morena de cabelos tingidos atendia a clientela do outro lado da loja.
Collin ergueu as sobrancelhas, palmas das mãos pra cima, esperando um esclarecimento.
— A mais baixa se chama Amália e a mais alta se chama Erika. Elas acham que você deve compromissado, porque é bonito. E tem essa tal Annah, mas não descobri quem é. Parece que quem está interessada é ela. – de braços cruzados, ele apontou por cima do ombro de Collin para Erika, que atendia a duas senhoras com um sorriso simpático no rosto. – Ela deve ter uns...
— 17 anos. – completou Collin, fungando e relaxando na cadeira, apoiando as costas do encosto. Ele parecia ter certeza absoluta da constatação.
Aproximando-se lentamente e com cautela, uma garçonete de cabelos castanhos parou ao lado da mesa. Tinha cabelos ondulados e compridos, um olhar firme e corajoso, mas uma postura de insegurança. Os dois repararam imediatamente o nome em seu crachá: Annah.
— Oi... – ela fez uma pausa, olhando de Collin para Keith. Parecia admirá-los por uns instantes, por qualquer motivo que fosse. Não fosse a beleza, ambos eram figuram muito imponentes e se sobressaíam no ambiente. – O seu amigo vai querer alguma coisa?
Os dois trocaram olhares. Collin censurou-o com o olhar, pois sabia que ele poderia dar uma resposta um pouco desagradável. Mas nenhuma resposta desagradável passou pela cabeça de Keith; pelo contrário, algo ousado lhe ocorreu. Ele estava olhando-a fixamente nos olhos. Gostara deles, de sua cor cobre, como duas moedas. A região logo abaixo dos olhos e as bochechas da moça ficaram avermelhadas, mas ela manteve o olhar firme, esperando a resposta, muito profissionalmente.
—Keith? Vai tomar café da manhã? – perguntou Collin. O contato visual que os dois faziam estava um tanto longo demais para ser natural.
— Na verdade, já tomei. – disse, apontando para uma metade de torrada que tinha deixado a sua frente. – Mas gostaria de saber o que você recomendaria, Annah.
— As panquecas estão boas, pelo menos hoje. – disse. Keith aprovou a entonação. Não sabia exatamente o que esperar, mas achou que fosse gaguejar ou algo do tipo, mas falou fluidamente, sem desviar o olhar.
Collin olhava tudo com curiosidade. Nunca tinha visto o amigo demonstrar interesse numa mulher.
— Então vou experimentar. – respondeu. Desviou o olhar rapidamente para o amigo gigante. – E vamos querer duas xícaras de café.
— Tudo bem, já volto. – disse Annah, sorrindo e se afastando, o bloco de anotações abraçado contra o peito.
Assim que ela se afastou, Collin despejou.
— O que foi isso?
Keith o encarou, uma sobrancelha erguida, os olhos voltando a fazer seus percursos pelo local.
— Não entendi.
— Desde quando você flerta? – perguntou o grandalhão, sem esconder um sorriso.
Keith deixou uma risadinha escapar também. Os dois riam nesse momento, e não perceberam que vários olhares pela loja estavam fixados neles. As duas figuras imponentes, mas risonhas, que chamavam atenção.
— Ele me ligou ontem de noite. – disse Collin, logo no fim da risada. Os dois ficaram sérios lentamente, agora que um assunto aparentemente sério chegava à pauta. –Você tem que ficar.
Os olhares dos dois se cruzaram, trocando algumas informações. As sobrancelhas imóveis de Collin, somadas a seu olhar baixo, porém firme, diziam que era um assunto importante. Mas sua respiração casual e seus gestos informais diziam a Keith que ali não era o lugar certo para se falar.
Essa comunicação peculiar que os dois estabeleceram durou apenas alguns segundos. Caso fossem duas pessoas, normais, não teriam conseguido se compreender tão facilmente, com tanta naturalidade.
Annah voltou, trazendo um prato de panquecas e duas xícaras de café, com um sorriso ligeiramente esticado no rosto. Keith notou que ela tinha mexido no cabelo, mas só um pouco. O suficiente para deixá-lo um pouco mais solto, com algumas mechas livres que lhe davam uma aparência mais sensual. Collin afastou o olhar dos dois. Poderia acabar rindo de novo se os visse se encarando com tanta libido nas palavras.
— Espero que goste das panquecas. – disse a moça, pondo o prato bem a frente do rapaz.
—Obrigado, Annah.
A moça deu meia volta para se retirar, mas Keith se esticou e tocou levemente seu braço. Ela pareceu prender a respiração com o toque, e virou-se para encará-lo. Seu rosto estava ligeiramente avermelhado.
— Sim? – disse, soltando o ar. A palavra saiu como um suspiro. Collin cobria o sorriso largo com a mão, olhando pelo vidro para fora da loja.
Keith fez um sinal para ela se aproximar, e puxou ligeiramente seu braço até que o ouvido da moça ficasse na altura de seus lábios. Ele sussurrou algo, que Collin ouviu, obviamente.
O rosto branco de Annah rapidamente se enrubesceu ao mesmo tempo em que ela sorria e ao mesmo tempo em que tentava disfarçar esse mesmo sorriso.
— Eu... Eu já volto, ok? – disse, afastando-se lentamente, já sem tentar esconder o sorriso. Ela olhava para o balcão, onde estavam as duas senhoras. Collin notou que elas pareciam aparentadas, as três; tinham formato de rosto igual e bocas parecidas.
Annah se afastou, encabulada, para atender rapidamente outros senhores.
Collin e Keith se encararam em silêncio por poucos segundos, o grandalhão sorrindo e o outro quieto.
— Tudo bem... Tenho que ir, mas você pode ficar e se divertir. – disse Collin, apoiando-se na mesa com as duas mãos e levantando-se. Pegou uma muleta de aço escovado que estava deitada ao seu lado na cadeira e apoiou-se com a mão esquerda. Um pouco desajeitado por causa de seu tamanho, saiu espremido do banco e caminhou manco até a saída da lanchonete.

2
As costas e as pernas de Keith já doíam e formigavam bastante às 20h. Passara o dia inteiro sentado no mesmo banco da lanchonete. Café da manhã, almoço e uns petiscos mais à tarde. Chegava à hora da última refeição do dia e seu estômago reclamava de fome mais alto que os músculos de dor. O livro que começou a ler ali mesmo, neste mesmo dia, estava quase chegando ao fim de suas duzentas e tantas páginas, mas ele já não sentia mais vontade de ler; talvez porque já o tivesse lido diversas vezes. O Apanhador no Campo de Centeio era um de seus favoritos. Observando a loja e o pouco movimento, Keith fechou o livro com força e deixou-o sobre a mesa, ao lado de sua xícara de café. A sétima do dia.
Ele tomou um gole e estava frio. Como ele gostava. Muitos diziam que ele era louco por gostar de café frio, mas ele simplesmente não ligava para isso. De fato, ligava para quase nada que os outros diziam a seu respeito. Ninguém o conhecia suficientemente bem para poder fazer qualquer afirmação que ele devesse levar em conta. Com exceção de talvez 4 pessoas, ele se considerava um homem sem amigos. Muitos conhecidos e muitos contatos, mas pouquíssimos amigos.
As primeiras gotas de chuva caíram com estalos altos na vitrine da lanchonete, bem espaçadas a princípio, mas violentamente depois de um tempo. Nesse meio tempo Keith manteve-se sentado, sentindo o formigamento, com o olhar fixo no couro do assento a sua frente. Algumas garçonetes passavam por ali de vez em quando para perguntar se ele desejava mais alguma coisa, mas ele as dispensava dizendo que não. Ele olhava no relógio de pulso a cada 10 minutos, até que os ponteiros marcaram 20:30. Quanto tempo mais ele teria de esperar? A reunião estava marcada para uma hora atrás e seus companheiros não costumavam se atrasar. Será que alguma coisa poderia ter acontecido? Esse era o principal motivo pelo qual Keith detestava ficar para trás para vigiar o território. Ele nunca ficava 100% a par dos acontecimentos.
Seu celular vibrou levemente, apenas uma vez e com pressa ele o pegou do bolso. Na tela, estava uma mensagem de texto Collin, com apenas uma palavra: “Venha”.
Annah, detrás do balcão, olhou-o saindo da loja com uma expressão desapontada. Parecia que o rapaz tinha desistido de esperar seu expediente terminar para poderem conversar a sós. Ela teve vontade de alcançá-lo e pedir algum tipo de explicação, mas isso simplesmente não era típico dela.
Empurrando a porta de vidro da lanchonete, sendo observado por Annah detrás do balcão, Keith saiu para a tempestade.

3
Adam aceitou a carona de Peter sem muitos argumentos. Tudo acontecera tão rápido.
Só agora a raiva começava a afetá-lo, só agora que as peças pareciam se encaixar e fazer sentido em sua cabeça. O novato Nate tinha assassinado o dono da locadora na noite anterior. E é claro, o novato Nate tinha tentado algo contra Lílian. Adam não ficou nem um pouco emocionado pela morte do homem, mas o fato dele ter voltado suas mãos para a pequena e frágil Lílian o deixavam furioso. Quase furioso demais.
No Camaro de Pete, os dois iam em silêncio, lado a lado, olhares vidrados. Peter esfregava as mãos no couro do volante, porque estavam ficando encharcadas de suor; os braços estavam esticados e duros, e quando ele tinha de mudar a marcha, fazia com desajeito e afobação, e o carro antigo estalava de reprovação.
Adam estaria com os punhos fechados, com câimbra nos dedos, mas estava esfregando as mãos.
O nervosismo se quebrou quando Peter parou num sinal vermelho e pela primeira vez desde que saíra da escola com Adam minutos atrás, ele tirou as mãos do volante e bateu no próprio colo.
— Eu juro que mato aquele cara! – bradou, esmurrando a buzina duas vezes e agarrando os cabelos, jogando-os pra trás.
Adam respirou fundo, apesar de querer concordar.
— Ad, ele vai ver só, meu pai vai acabar com a raça dele. Você viu a cara do meu pai quando ele chegou e quando o algemou, não viu? Ah, ele vai ter sorte se sobrar algum pedaço daquela cara cínica na hora de depor...!
Adam segurou o ombro de Peter e olhou com firmeza.
— Peter, calma. – disse, apesar de saber que ele detestava ser pedido pra ter calma. – Seja racional, cara, seu pai não vai encostar um dedo nele, não seria capaz disso.
Mas Adam não tinha certeza disso, nem um pouco. Se Peter era superprotetor com a irmã, é porque aprendeu muito bem com o pai.
Ele riu com desdém, engatando a marcha novamente e acelerando pelo sinal verde.
— Você não faz idéia do que ta falando Adam, tenho certeza que isso não vai acabar muito bem pro lado dele, aliás, eu torço pra que não termine nada bem para o lado dele... – Ele freou novamente num outro sinal, vendo carros passarem acelerados na rua transversal, a mais movimentada da cidadezinha. – Só de imaginar o que ele teria feito, as coisas que passavam pela cabeça dele...!
— Pára! – pediu Adam. Seus punhos estavam fechados. – Pára, tá bom? Não adianta ficar “pensando”, no que ele teria feito, porque ele não fez, certo? E se tivesse feito, se tivesse mesmo feito...
Ele tentou manter a imaginação distante da razão para conseguir terminar de falar. Esse nervosismo que estava sentindo não era natural dele.
— ... Se tivesse mesmo feito algo, tenho certeza que estaríamos agora mesmo acabando com a raça dele.
— É isso, aí, pode apostar que sim! – concordou.
Os dois falavam com agressividade, o que era incomum. Nunca tinham se envolvido em nenhuma briga, e não tinham idéia do que estavam dizendo.
O sinal abriu novamente e Peter tentou sair com o carro, mas errou a marcha e o velho Camaro morreu, engasgado.
Os dois se entreolharam com expressões cansadas, ouvindo as buzinas do trânsito atrás.

Adam e Peter estavam cheios de adrenalina devido ao stress, e conseguiram empurrar o carro sem dificuldades, mas ele não pegou. Tentaram três vezes, sem resultado. Peter começou a pensar em pedir um novo carro para o pai pela primeira vez desde que aprendera a dirigir. Gostava do seu Camaro, do seu estilo velho e rebelde, mas se tivesse que trocar essas qualidades por um carro que funcione, ele o trocaria.
A adrenalina aos poucos foi se ausentando do sangue, os batimentos cardíacos ficando mais lentos. O esforço começou a pesar nos músculos agora que ia ficando mais frio conforme entravam pela tarde. Os dois odiariam que uma chuva os pegasse ali, desprevenidos, e concordaram em chamar um guincho, sabendo que o próprio Peter teria de arcar com as despesas. Nesse momento, foram surpreendidos por um homem na calçada, que ergueu o braço em cumprimento. Era Edmund Düller, o jornalista.
O alemão chamou os dois pelo nome completo. Os dois olharam para a figura muito branca encasacada que se aproximava, com um sorriso impecável no rosto, um bloco de notas nas mãos.
— Dificuldades com o carro, pelo que estou vendo. – observou. Adam recostou ao lado da porta do passageiro, soprando o ar quente para dentro das mãos em concha, sem querer responder. Não tinha gostado do homem, por algum motivo.
Ao contrário do amigo, Peter foi simpático, pois agora que Nate estava preso, achava que deveriam abrir o jogo para os jornais.
— É, essa coisa só pega quando quer... – disse. Batendo no teto do carro. O frio se acentuava cada vez mais, e as palavras de Peter saíram com rajadas quase imperceptíveis de vapor de seus lábios.
— Desculpe ser um incômodo, mas importar-se-iam em responder algumas perguntas enquanto esperam pelo guincho?
Adam ergueu uma sobrancelha com um olhar cômico para o jornalista, pelo modo como falava. Peter apoiou o cotovelo no teto do veículo e respondeu:
— Não vamos a lugar nenhum, né?
O jornalista soltou uma risada incômoda, parecendo forçada e falsa. Mas era difícil julgar, pois tudo sobre ele parecia forçado e falso de alguma maneira. Ou ele era um grande fingidor ou um homem simplesmente diferente.
— Então, Sr Belmont, pode me contar o que aconteceu ontem à noite, sob seu ponto de vista?
Peter abriu a boca sorrindo, mas segurou o que quer que fosse dizer e parou para pensar. Olhou rapidamente para Adam e finalmente notou no olhar do amigo como ele parecia desconfortável com a situação, principalmente com Edmund Düller.
— Na verdade, nem depus na Delegacia ainda, não sei se posso. – respondeu, esquivando-se. Adam aprovou a desculpa.
O jornalista torceu o nariz e as sobrancelhas endureceram.
— Na verdade jovem, não há nada que lhe impeça de contar a um jornalista qualquer coisa que você tenha presenciado. Não se preocupe com a polícia, pode me contar. – ele falava de forma mais lenta, mas ainda era muito articulado.
Peter pensou sobre o que acabou de ouvir e não precisou olhar para Adam para saber que ele queria que continuasse evitando o repórter.
— Desculpe Sr Düller, mas ainda estou meio confuso com o que aconteceu, entende? Foi com minha própria irmã e eu não me sinto...
— Sr Savage, ficou me devendo uma resposta ontem à noite, como deve se lembrar. – o repórter virou-se imediatamente para Adam, parecendo esquecer que Peter estava ali. O sorriso voltara, assim como seu tom robótico empolgado.
Adam desviou o olhar para próprias mãos e as enfiou pelos bolsos do casaco.
— Sr Düller, o chefe Belmont em pessoa nos pediu sigilo sobre o caso até que o cara fosse pego.
— Mas Sr Savage, já lhes disse que não há nada em qualquer lei que os impeça de me contar sobre...
— É, certo, Sr Düller, mas Martin Belmont é pai do meu amigo e é como da família para mim, não vamos desobedecê-lo só pra ajudar na sua matéria!
O repórter deixou os braços caírem ao lado do corpo. Sem palavras pela primeira vez, baixou os olhos, voltando-os rapidamente para os rostos de Peter e Adam, procurando o que dizer. Estava tão... Tão empolgado com essa matéria, com o assassino em Roule County, o envolvimento da família de um policial, estudantes locais. Seria uma ótima reportagem, tão boa que talvez fosse capaz de elevá-lo ao cargo de redator chefe do County Journal. O jornal esteve se tornando medíocre desde a última publicação polêmica sete meses atrás e ele, Edmund Düller, poderia ser o homem que levaria o jornal de volta ao prestígio com uma matéria exclusiva. E como ousavam esses dois garotos se colocaram como empecilhos para ele?
— Tenho certeza que ele vai pegar nossos depoimentos ainda hoje e provavelmente amanhã poderemos falar alguma coisa. – disse Peter, tentando reconfortar o homem, como sempre fazia quando via alguém aborrecido. Mas Edmund Düller se afastou rápido e sem olhar para trás.
Sentindo-se esquisitos, e Peter se sentindo culpado, os dois amigos se olharam dos lados opostos do carro, talvez prestes a dizer alguma coisa, quando o celular do roqueiro tocou. Seu toque era um frenético solo de guitarra, mas só o começo foi ouvido. Ele atendeu depressa:
— Alô?
Adam ficou observando. Peter arregalou os olhos e deu um murro no teto do carro, apoiando a cabeça no braço.
— Amanda, desculpa eu esqueci que...
Ele ficou quieto de novo, escutando a garota do outro lado da linha. Olhou para Adam com um olhar de súplica, sem saber o que dizer. O amigo deu de ombros.
— Mas você sabe bem que a polícia apareceu lá e prendeu o suspeito de ontem! Ainda por cima, levaram minha irmã pra depor também! Como eu ia lembrar de você com tanta coisa na cabeça?
— Ah, você não disse isso... – sussurrou Adam, arregalando os olhos. Ele quase pode ouvir a voz de Amanda pelo telefone, agora que provavelmente ela gritava com Peter.
— Não, Amanda, não desliga! – pediu o roqueiro, tarde demais.
Ficou ali, parado, celular em mãos, observando a tela que dizia: Chamada encerrada. Seu jeito com as mulheres continuava o mesmo de antes, Adam via agora. Peter nunca fora de se atirar nas garotinhas que gostasse, e só houve um caso em que isso aconteceu, quando tinha seus 11 anos. Adam se lembrava bem de como ele estragou tudo, já que por algum motivo ele sempre achou que podia dizer tudo o que passasse pela cabeça para uma mulher. Talvez pudesse com Lílian e com sua mãe, mas não com qualquer outra.
—Eu falei besteira... – disse, arrependido. – Não falei?
— Só um pouco... Na verdade não muita, eu concordo com você. Tem muita coisa acontecendo, mas vai tentar explicar isso pra ela?
—Sem chance.
— Sem chance.
Nesse momento um ronco profundo e constante veio se aproximando dos dois. Uma moto, os dois pensaram, e quando se viraram para olhar, se maravilharam com o veículo que vinha se aproximando do carro parado de Peter. Era uma moto preta, com aparência agressiva , como uma motocicleta de corridas. Seus dois faróis redondos eram posicionados um acima do outro, mas estavam apagados. Os pneus grossos gritaram agudo no asfalto quando ela freou, bem ao lado de Peter.
O piloto desceu, baixando o descanso e tirando o capacete cinza. Os olhos selvagens e as sobrancelhas arqueadas e inclinadas, agora mais visíveis do que na última vez, encontraram os de Peter e de Adam.
Era Aaron Scuddler.
O cabelo castanho estava seco agora, mas bagunçado, e de certa forma combinava com sua aparência suja. O casaco de couro marrom estava muito desbotado e a calça jeans apesar de não estar rasgada, parecia ser mais velha que o carro de Peter.
— Problema com o carro?
Pete demorou um pouco pra responder, tentando ler o nome do fabricante da moto, mas a perna de Aaron estava na frente.
O coração de Aaron batia a passos controlados, mas bombeava com muita força. Era a adrenalina e as sensações que ela lhe causava. Músculos dos braços e das pernas endurecidos, respiração pesada, audição e visão supersensíveis, boca seca. E, ele sabia, ia se sentir assim para sempre; mas tinha se acostumado a viver com ela, desde o incidente, dois anos atrás. A única coisa que não tinha aprendido ainda era como controlá-la.
— É, morreu de repente, não sei o que aconteceu. – Peter respondeu, depois de ver o nome do fabricante, com um sorrisinho orgulhoso no rosto.
Adam deu a volta no carro para se aproximar e apreciar a moto do homem. Era importada, sem dúvida.
— Eu entendo uma coisa ou outra de motores velhos, posso dar uma olhada se quiser.
— Seria ótimo! Acho que o guincho demorar e vamos ter que esperar aqui no frio. – Peter foi até o capô e o abriu. Aaron já estava ao seu lado, tirando as luvas de couro das mãos, sentindo o frio do ar nos nós dos dedos. Adam ficou um pouco mais afastado, atrás dos dois por não querer atrapalhar. Carros não era sua especialidade.
Adam levou a mão ao rosto, lembrando-se de repente. Sua bicicleta ainda estava lá em frente à escola, acorrentada às grades do restaurante árabe, cujos donos um “dia ainda cortariam sua cabeça”, segundo os irmãos Belmont. Tenho que pegá-la antes que eles acabem achando que deixei de presente. Mas Adam, nesse exato momento, deveria estar se preocupando com outra coisa.

4
Martin estava fumando seu último cigarro antes de começar o interrogatório. Pelo menos sua parte do interrogatório, já que nesse momento o suspeito estava “conversando” com Bob. O chefe achou que o novato fosse se afobar e deixar-se levar pela tensão de conversar com um criminoso, mas estava indo muito bem. Talvez fosse um bom dia para a polícia. Talvez, até, pudessem arrancar uma confissão do garoto ainda hoje e livrar-se dessa preocupação. Para Martin, como pai de Lílian, era sua maior vontade.
Ele via através do vidro permeável que Natanel estava calmo, mas inquieto. Bob a sua frente, fazendo um bom trabalho, sorria de lado.
Bob não era exatamente um galã de cinema, mas era ótimo com as mulheres. Entendia de poesias, de filmes românticos, de sentimentos. Mas não era de forma alguma um sentimental, era um aproveitador e oportunista, que geralmente sabia o que dizer e a forma como dizer.
—Então, Natanael Hensen, você disse que é de Connecticut...
— Certo.
—... e que foi à Marches County visitar um amigo...
— Certo.
—... chamado Tom West. Estou acompanhando até aqui?
—Perfeitamente, policial. – Nate sorriu, e Bob retribuiu.
— E por que veio pra Roule County?
—Intercâmbio. Meus pais não queriam me mandar pra uma cidade assim pequena, mas eu insisti que ia ser bom pra minha formação conhecer esses lugares.
— E o que aconteceu na locadora, ontem à noite? – continuou, levantando os olhos para o rapaz.
—Eu entrei e comecei a escolher uns filmes. Depois uma moça loira entrou e veio escolher perto de mim. Puxei assunto, nada demais...
— Sobre o que falaram?
Nate demorou a responder, simulando dificuldade para se lembrar. Ele lembrava perfeitamente.
— Ela queria alugar um filme de terror pra ver com... o namorado, eu acho, eu sugeri alguns...
— Irmão.
— Que seja... – Nate deu de ombros e continuou sua versão. – Olha, eu não sei o que ela alegou, mas eu não tentei nada contra ela. Eu a achei bonita, paguei os filmes pra ela, não vejo nada de mais nisso.
— Ela disse que você a puxou para o lado de fora da loja e perguntou se ela morava perto... Não acha que foi esquisito? – inquiriu.
— Não! – disse, fingindo sentir-se ofendido com uma maestria teatral. – O cabeludo da locadora ficou olhando pra ela de um jeito esquisito, e você sabe do que eu estou falando. Tirei-a de lá porque fiquei com nojo do cara, ele deve ter uns 40 e ela uns 16!
— E porque perguntou onde ela morava? – Bob agora se debruçava sobre a mesa, tentando ser o mais incisivo possível.
—Pensei em oferecer uma carona...
A porta abriu de repente e Martin entrou sem cerimônia. Bob levantou-se imediatamente com uma olhar de despedida para Natanael e seu superior ocupou a cadeira. O novato saiu sem dizer coisa alguma, fechando a porta.
Um silêncio enfumaçado encheu a sala; Martin terminava o cigarro e soltava rodelas de fumaça no ar. Apagou a ponta na própria mesa de mármore, despejando-a com um peteleco. Largou-se sobre a cadeira e cruzou as pernas, soltando a última baforada de fumaça daquele cigarro, parecendo relaxado e pensativo. A introspectividade do policial deixava Natanael curioso, mas não a ponto de fazê-lo transparecer; seu olhar continuava inocente e incompreensivo. Martin remexeu nos bolsos, simulando que procurava alguma coisa até que tirou um envelope pardo do bolso na frente da camisa. Nate reparou nas feições do coroa, estimando 40, talvez 50 anos para o policial, a julgar pelas rugas duras abaixo dos olhos e o cabelo esbranquiçado e ralo nas têmporas. Quando notou, o envelope estava rasgado e jogado a um canto da mesa. Logo abaixo de seu queixo, havia algumas fotos Polaroid. Nelas, Osmar Tellore, o dono da locadora assassinado, aparecia do modo como a polícia o havia encontrado. Estava detrás do balcão da locadora, da qual Natanael se lembrava perfeitamente. Uma das fotografias tinha sido tirada bem próxima do rosto: o cabelo oleoso estava solto e espalhado pela face semidesfigurada. O nariz torno, a boca inchada e aberta, olhos roxos e inchados e cortes por todo o rosto.
Sem mencionar o sangue, muito sangue.
As outras fotos tinham um enquadramento mais afastado e mostravam o local onde seu corpo estava. Estava completamente nu e havia sangue por todo o lado e parecia inacreditável que todo ele tivesse saído apenas dos ferimentos no rosto. E não saíram, pois conforme Nate observava mais atentamente, viu outros ferimentos pelo corpo. Não eram lacerações, mas sim contusões, marcas roxas enegrecidas, abaixo do pescoço, pelos ombros, pernas e mãos. E no pulso esquerdo ele notou, quase imperceptível devido ao sangue e todas as outras coisas que chamavam atenção, uma marca de mordida. Humana e não muito profunda, mas o suficiente para deixar uma marca.
E as peças se encaixaram em sua cabeça. De repente ele tinha certeza de que tinha sido rastreado pelos outros até Roule County. Tinha certeza de que estava sendo perseguido ali, vigiado por um deles, provavelmente Aaron. E sabia que teria de agir rápido para se posicionar e defender dos ex-amigos. As imagens deles vieram rápidas a sua cabeça, formando o que seria um pequeno pesadelo à luz do dia: Giovanni, Aaron, Collin e Keith, numa rua escura sob o luar. Nate teve medo, mas controlou-se. Você tem tempo.
— Bem feio, hã? – perguntou Martin. Ao contrário de Bob, ele não sorria. Não sabia ser cínico. Em suas mãos estava um pedaço de papel, do qual ele leu um trecho à sua maneira. – Nariz, maxilar, antebraços esquerdo e direito, quatro costelas e diversos ossos da face fraturados. Danos cerebrais leves, com pequeno coágulo. Três dentes soltos e ruptura do baço. E mais. Hemorragia séria.
Nate ficou quieto, olhando o chefe de polícia fazer seu trabalho, enquanto parte de sua mente estava longe, pensando no quarteto que o perseguia.
— Tem idéia de como ele poder ter acabado assim, Sr. Hensen?
— Não... Não faço idéia, policial. – mas ele podia constituir a cena perfeitamente em sua cabeça. – Talvez um assaltante.
— Não, não faça isso. Não tente explicar, porque você sabe exatamente o que aconteceu. – disse, elevando levemente o tom de voz, sem perder o autocontrole. Ele ainda precisa manter a compostura para que o rapaz soubesse quem estava no controle ali. Martin tinha a sala, a palavra, o distintivo e a arma. – Sabe, rapaz, esse assassinato tem duas coisas desconcertantes, que eu não entendo.
Ele fez uma pausa, durante a qual Natanael não se pronunciou. Do outro lado do espelho, Bob observava o superior, esperando aprender com ele.
—Uma delas é que tudo isso, todo esse estrago foi feito por mãos nuas. Ele foi espancado. – outra pequena pausa, e Martin desejou ter outro cigarro para tragar. – Até aí, tudo bem, já vi espancamentos como esse, mas tem uma diferença dos outros. Quem fez isso com ele, fez sozinho. E em menos de 10 minutos.
Bob estava colado no vidro, observando atentamente. Prestava atenção nas expressões de Natanael e tinha a pequena impressão que a confiança estampada em seu rosto até alguns minutos atrás sumira, pelo menos em parte. Mas por quê?
Por baixo da mesa, Natanael balançava os pés. Precisava sair dali, e rápido. Martin com certeza iria deixá-lo preso por prevenção e ali numa cela ele seria alvo fácil, além do fato de que precisava pôr todos os seus planejamentos em ação o mais cedo possível. Sua cabeça trabalhava a mil.
— Agora me diga, Sr. Hensen quem seria capaz de espancar um homem até a morte em menos de 10 minutos? Que monstro faria isso de uma forma tão bruta que a vítima não teria como se defender?
Martin quase perdeu o controle do tom de voz, pensando em sua filha. O rosto do jovem era completamente inocente, mas já vira criminosos de aparência mais inofensiva. E inofensivo era estritamente o contrário de Natanael Hensen, um assassino de sangue frio, covarde e muito perigoso. Exatamente como Peter, só de pensar que um homem tivera algo em mente com Lílian...
— Sua filha pode estar em perigo, policial. – disse Nate, jogando sua primeira carta. Já sabia o que fazer.
Martin se calou de repente, e seu coração disparou.
— Cale-se jovem, não tenho paciência para...
— Ela está bem próxima, não é? Dando o depoimento? Não se sente irresponsável por mantê-la tão perto do suspeito de assassinato?
Martin fechou os punhos sobre o colo, respirando o mais fundo que podia, sem conseguir controlar a raiva.
— Responda as perguntas, rapaz! Porque você o matou?
— Não o matei, juro que não. – disse, dando de ombros. Tanto Bob quanto Martin perceberam a diferença na personalidade do rapaz, que deixara de se manter na defensiva e demonstrava mais frieza. Este modo de agir, ao contrário daquele jeito gentil, parecia ser seu modo natural de ser. Já não se via nem vestígio do inocente e puritano estudante de Connecticut. – Mas quanto a sua filha, não sei o que me acusaram de tentar, mas tenho certeza que teria adorado fazer...
Martin saltou sobre a mesa e agarrou os ombros do rapaz, derrubando-o no chão sem pensar e esmurrando seu rosto, com força, várias vezes seguidas.
Bob, detrás do vidro, xingou baixo e pôs sua pistola no coldre, correndo para a sala ao lado. Quando abriu a porta, apontou a arma imediatamente para os dois, atracados no chão.
Nate viu a porta abrindo, e a oportunidade chegando. Sem fazer muita força, usou as pernas para jogar Martin Belmont para o lado e levantou-se rápido, ignorando o aviso de Bob para permanecer parado. Investiu contra ele o mais rápido que pôde, e ouviu a arma disparando. Bob foi arremessado para o lado por Natanael como se fosse uma criança leve sendo empurrada no balanço. No corredor, Natanael bateu a porta de ferro com força, e com mais um pouco de força, arrancou a maçaneta, deixando os dois do lado de dentro, trancados.
— Tsc... – resmungou baixo, quando sentiu o sangue escorrer pela camisa. A bala da arma de Bob entrou em sua barriga pouco acima do umbigo e o sangue jorrava, começando a manchar toda sua roupa.
Levantou a camisa, recostado na parede, ouvindo os dois policiais discutirem dentro da sala, tentando abrir a porta em vão. Com a ponta do dedo indicador, cutucou o buraco da bala a procura dela. Sem muita cerimônia, tirou-a com os próprios dedos, sem um gemido, sem uma reclamação. Sua mão nem mesmo tremia. Jogou o pequeno projétil no chão, o tilintar do ferro ecoou pelo corredor. Ele olhou preocupado de um lado para o outro, ouvindo os outros policiais chegando e apressou-se para o fim do comprido corredor. Antes de alcançar a porta, ouviu outros avisos para permanecer parado, seguidos de mais disparos, mas nenhuma bala o atingiu.
Chegou ao estacionamento, vendo algumas viaturas paradas, além de alguns carros civis dentro da área confiscada. Rapidamente, tirou a camisa branca, encharcada na parte da cintura com seu sangue, jogando para um lado qualquer e pondo-se a correr novamente. Em sua barriga, logo acima do umbigo, não havia mais ferimento algum.
Passando por uma área escura, Natanael entrou na sombra como homem, e deixando suas roupas para trás, saiu da sombra como um peludo lobo preto.

5
— Tenta dar a partida agora. – gritou Aaron, debruçado sobre o motor do Camaro, debaixo do capô.
Peter, dentro do carro, girou a chave e ouviu o motor tentar e tentar, com aquele som engasgado, até que finalmente pegou. O ronco asmático das velhas engrenagens começou novamente e ele e Adam deram graças a Deus por não precisarem esperar o guincho. Estava frio como nunca e, com o aquecedor desligado, eles congelavam aos poucos dentro do carro, mesmo com janelas fechadas. Peter saiu para cumprimentar Aaron.
— Você acabou de salvar dois homens da hipotermia, Aaron. – disse, estendendo a mão.
O rapaz a apertou, com força, sem conseguir se controlar devido à adrenalina, mas o roqueiro não sentiu muito, pois sua mão estava gelada e muito pouco sensível.
— Eu disse que era bom com motores. Mas o seu, eu acho, não vai durar muito. – enquanto falava, sentiu uma vibração no bolso da apertada calça jeans. Seu celular vibrava, e Aaron sabia quem era. Apenas 4 pessoas tinham aquele número.
Peter ouviu com atenção e guardou as palavras exatas do samaritano para usá-las com o pai quando fosse lhe pedir um carro novo. Mal sabia ele, que nesse exato momento, o pai começava o interrogatório do suposto assassino.
Adam também saiu e os dois amigos agradeceram ao homem desconhecido, reparando em sua moto.
— Bom, se eu fosse você também tocava o caminho porque acho que ainda vai chover esta noite. – comentou Pete, voltando para dentro do carro. – Se cuida, Aaron.
— Vocês também, caras. – respondeu, ansioso para que os dois se afastassem logo. A vibração do aparelho o estava irritando. Na verdade, quase tudo ao redor o irritava. Os ruídos metálicos perturbantes e profundos dos motores dos carros que passavam, as pessoas que transitavam gritando aos celulares... O próprio som de sua motocicleta potente o irritava um pouco, mas sobre ela, com o vento no rosto e o mundo passando em alta velocidade, era mais fácil controlar a adrenalina.
Os dois amigos saíram, virando no final da rua e Aaron não hesitou em atender o celular imediatamente. Se fosse qualquer outra pessoa, já teria desistido depois de tantos toques.
— Comp. – atendeu, mas com a voz controlada, diferente da última vez.
— Aaron. – disse a voz do outro lado. – E os nossos meninos?
— Já peguei o cheiro deles. Não vou ter problemas.
O homem do outro lado da linha, Giovanni Compacci, conhecido como Comp por Nate, Collin, Keith e Aaron ficou em silêncio por um tempo. Parecia estar conversando com alguém do outro lado da linha.
— Estamos na cidade.
— O quê?! Por que? – perguntou, de pé na rua. Seu tom de voz elevado se fez ouvir sobre o estrondos dos carros, e muitos olhares estavam sobre ele agora.
— Controle-se. Já foi tomada a decisão. Eu e Collin estamos te esperando no seu quarto no hotel. Precisamos planejar nosso próximo passo.
— Nate está preso, sabia? Foi algemado hoje de manhã. – retrucou Aaron.
— Sim, mas você acha que vai simplesmente entrar pela porta de delegacia, rasgar as barras na cela e matá-lo? Precisamos ser discretos. Além do mais, não sabemos se ele já marcou os dois rapazes. Você viu algo?
— Não, eles estavam agasalhados. Mas acho que ele não teve tempo de...
— Não podemos ter certeza. Eu e Collin precisamos estudar o próximo passo.
— Mas eu disse a você que só tomaria parte disso se Nate...
— Vou repetir, Aaron, não se preocupe. Nate é seu, só seu. Mas você não vai chegar a ele sozinho. Aquele cãozinho sabe ser evasivo e sabemos disso. Quanto aos outros dois, eu e Collin decidimos que talvez seja necessário matá-los. Mas não por enquanto.
— Não estou gostando disso, Comp.
— Não estou pedindo pra gostar, Aaron, e você não vai desobedecer, vai?
Aaron rosnou. Um rosnado de verdade. Uma senhorita passava a seu lado nesse momento, empurrando um carrinho de bebê onde sua filha de apenas 1 ano estava adormecida e agasalhada. Ao ouvi-lo, a moça sentiu o coração bater acelerado, sentindo o medo tomar conta de seu corpo: medo primordial, como se seu cérebro soubesse que ela deveria temer o que quer que o rapaz fosse, por simples instinto de preservação. A criança começou a chorar.
O choro irritou Aaron ainda mais, e ele sentiu a mão tremendo, a adrenalina pulsando em suas veias, que agora pareciam tão apertadas... Seus músculos se contraíram até a rigidez de uma rocha e sem se controlar, ele fechou o punho, esmagando o celular.
Enfurecido, ele sequer teve conhecimento do que fez. Virou-se rapidamente e segurou as rodas do carrinho, virando-o para o lado, sacudindo-o. A criança caiu na calçada e a mãe gritou desesperada, vendo o rapaz erguer o carrinho vazio e arremessá-lo para o outro lado da rua.
— Ei, seu babaca, ta maluco? – perguntou um homem que vinha se aproximando de punhos fechados. Como podia um garoto como ele ter sangue frio para machucar uma criança? A mãe pegou a filha no colo e se afastou dos dois, vendo o perigo nos olhos de Aaron.
O homem, revoltado pela maldade que acabara de ver, não notou que o rapaz tremia e o olhava com uma expressão assassina. Quando ergueu o braço para acertá-lo, o soco de Aaron veio mais rápido e com uma força arrebatadora, acertando em seu peito. Se estivesse prestando atenção, teria sentindo alguns ossos do homem sendo esmagados por sua mão como meras cascas de ovos.
Lançado para longe, com uma dor insuportável no tórax, o homem ouviu o rosnado de Aaron novamente, seguido do grito da mulher e o choro de seu bebê. E então ele apagou.
Depois de despejar um pouco da adrenalina, ele voltou a se controlar, vendo aquilo que tinha feito. O coração batendo mais devagar, e a dor do arrependimento o atingindo novamente, ele virou as costas e se apressou na direção da moto. Não podia ficar ali por muito tempo, pois não conseguia se controlar.
À apenas alguns metros de distância, detrás do vidro de uma perfumaria, Edmund Düller guardou sua câmera fotográfica, estupefato com a cena que havia acabado de fotografar.
...
No quarto 706, no Hotel The Rose, Collin abriu as janelas e as cortinas. A noite era escura lá fora e o vento úmido cortava entre os prédios com um som fantasmagórico. Mesmo com os cabelos presos, podia senti-los revoltos pelo vento e seu rosto sendo umedecido pelas gotículas da chuva. Lá embaixo, carros passavam tranquilamente, iluminados pelos postes, muitos metros abaixo dele. Viu seu carro também, azul escuro, um pouco velho e logo ao lado dele, a moto de Aaron, recém estacionada. O amigo acabara de entrar no prédio.
Mesmo com algumas preocupações importantes na cabeça, como Nate e os tais garotos Adam e Peter, sua mente ainda estava longe, naquela lanchonete em Marches County, nas atendentes. Cada era tão bonita individualmente que ele mal sabia em qual focar os pensamentos; a morena de cabelos vermelhos nas pontas, a baixinha sorridente e até mesmo Annah, que ele sabia ter despertado o interesse de Keith. Apesar de isso ser raro e eles não se intrometerem com as parceiras um do outro, Collin era, acima de tudo, um apreciador do sexo frágil. Sempre via algo de charmoso, elegante, atraente ou interessante em qualquer mulher.
No sofá no meio da sala, estava Giovanni, ou Comp, aparentando quase seus 30 anos. A cabeça raspada já tinha algum cabelo ralo crescendo, deixando-a com a aparência áspera. Sua pele clara parecia natural ali na cidade, ao contrário de seu visual despojado. Usava uma camiseta preta e cavada e uma calça jeans caída com correntes penduradas, além de tatuagens não muito visíveis, que iam de ombro a ombro, passando pelo peito e pelas costas. Tinha o controle da TV nas mãos, mudando de canais à procura de algo. Pulou rapidamente a parte dos desenhos, que o irritavam, e mais rápido ainda a seqüência de canais científicos. Toda aquela baboseira era irrelevante pra pessoas comuns, ninguém jamais usaria aquele conhecimento. Comp costuma dizer que as pessoas repetem o que vêem na TV para parecerem inteligentes, o que era verdade. Parou de repente, interessado no filme que passava num canal de filmes de ação.
— Um Lobisomem Americano em Paris. – disse com um meio sorriso no rosto.
Collin riu da janela e voltou o rosto para dentro.
— Sabe, até que esses caras não erraram muito feio. – constatou o grandalhão.
— Tá brincando, né? – perguntou Comp, vendo algumas cenas de arrancar risos. – Como se licantropia fosse alguma doença...
— É um traço genético e nisso eles acertaram. – retrucou.
— E olhe pra eles, como essas coisas meteriam medo em alguém? Olha essa transformação, parece que ele está morrendo de dor!
A porta abriu de repente e Aaron entrou, respirando um tanto acelerado e com algum suor pela testa.
— Ei. – bateu a porta, entrando sem demora e encarando a televisão. – Que porcaria é essa?
— Um clássico. – respondeu Collin, sorrindo ao mesmo tempo em que Comp deu sua resposta:
— Uma merda.
Aaron sentou-se à mesa, revirando tudo o que tinha sobre ela, balançando a perna, inquieto. Encontrou um isqueiro próximo ao cinzeiro e ficou brincando de acendê-lo. Comp ainda prestava atenção no filme, desdenhando-o em silêncio. Tão longe da verdade.
— Cadê o Keith? – perguntou Aaron, passando a mão por cima da chama do isqueiro.
Collin espirrou na janela e voltou o corpo para dentro, fechando-a novamente. A chuva começava a apertar e fazer barulho nos vidros de todo o Hotel. Remexeu o bolso da calça a procura de um pacote de chicletes para dividir com os dois.
— Está a caminho.
Os três se sentaram para terminar de assistir o filme, Aaron ao lado de Comp no sofá e Collin sentado no chão por seu tamanho, e faziam comentários sobre como os criadores haviam errado ou acertado em determinada. O tempo passava e ficava mais tarde, até que ao final do filme, quando desciam os créditos a porta se abriu e Keith entrou, molhado pela chuva.
— Keith. – cumprimentou Comp. Aaron apenas acenou com a cabeça.
—Se vamos planejar, melhor fazermos isso agora. – disse Keith, fechando a porta e trancando-a em todas as fechaduras. – Nate fugiu da cadeia.

Um comentário:

  1. AAAAH MORRI *-*
    A GANG DO MAL É SÓ MINHA JÁ DISSE ♥
    UAIHAUHAUAHAUHAIU

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